"Só quero poder ser quem sou"

M dizia-me entre lágrimas: “Eu só quero poder ser quem sou.”



É isto o que mais nos aflige: todo o nosso a ser a pedir para o deixarem ser o que na génese é e a inibição do Ser sempre presente, muitas vezes verdadeira proibição.

Nascemos e crescemos a sermos limitados, e assim continuamos a viver. Toda a gente sabe como “deveríamos” comportar-nos, o que “devíamos” fazer, o que “temos” de aprender. Toda a gente sabe tudo de nós: que somos burros, ignorantes, intrometidos, que falamos pouco, que falamos demais, que rimos muito alto, que rimos muito baixo, que não rimos de todo… (E nós, não só compramos isto tudo, como ainda replicamos infinitamente cá para dentro.)

O estranho é que cada um sabe coisas diferentes; quer, pede e manda coisas diferentes. E muitos desses ora sabem uma coisa, ora sabem o contrário.

Se eu não posso ser quem sou, sou quem? Se tu não podes ser quem és, és quem? O quê? Quem tem o direito de te dizer o que deves ser?

Tenho para mim que quem me diz o que eu devo ser e fazer e pensar e acreditar e por onde devo ir, não gosta de mim, não me respeita, está a colocar-se numa posição de superioridade – a posição daquele que sabe. Tenho para mim que quem diz estas coisas às outras pessoas sabe mesmo muito pouco e pensa que sabe imenso, ou finge saber.

E por mais que doa, eu só acredito em cada um ser aquilo que é. Se os outros não gostarem de quem sou, de quem és, é ok. Se exigem que sejas diferente, afinal de quem gostam?

Máscaras. Uns agarram-se ainda mais às máscaras, escondem-se, não querem ser vistos, imaginam-se vistos onde só há noite cerrada, com enorme medo de serem rejeitados, de que pensem e digam mal deles. Viverão felizes?

Outros caminham nus, com o peito corajoso aberto, desafiando regras impostas, verdades apregoadas, desamor, maledicência, agressão, cobiça. Caminham com tudo o que são: com o amor, a raiva, a coragem, o medo, a indolência, a acção, o desinteresse, a luxúria.

Caminham errando e acertando, rindo e derramando rios sem fim de lágrimas.

Umas vezes oiço-os gritar de dor, outros de prazer.

E eu caminho com eles. Às vezes sou feliz, outras incomensuravelmente triste, às vezes estou rodeada de amor, outras sinto-me abandonada. Uma vezes sou a palhaça, outras a fadista. Nunca sou a que usa a máscara. Uso o nariz de palhaço para me rir de mim própria e transmutar lágrimas em alegria… exagerando ainda mais tudo o que já sou. Já máscara, nunca!


Tenho para mim que só pode dar gozo sermos quem somos.

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