Hoje fui rebaptizada


Acho que sempre houve em mim comunhão com o divino. Tive-a conscientemente em criança. Lembro-me de ir à igreja e sentir tudo muito. Fui baptizada, fiz a primeira comunhão, confessava-me, comungava, lia na Igreja, tudo de forma imensamente devocional.



Pelos cinco ou seis anos, numa igreja Carmelita, vendo as freiras reclusas, achei que queria ser freira quando fosse grande.

(Talvez pela mesma altura vi teatro pela primeira vez na minha terra, e sonhei estar ali no palco. Decidi que queria ser atriz de teatro. Foi assim que nas redações da escola eu escrevia que queria ser freira ou atriz de teatro, e as pessoas riam – e eu própria quando me deixei contagiar pelos sentimentos das pessoas, por serem coisas tão diferentes. Hoje entendo que é normal termos interesses diferentes e que ser actriz é tão sagrado quanto ser freira, e que posso praticar ser um pouco de ambas.)

Com o 25 de Abril e essa coisa de termos que ir todos para um lado e a religião ser “o ópio do povo”, tomei a droga da política e afastei-me da religião… Mas ela, a espiritualidade, não se afastou de mim.

O processo de canonização da Madre Teresa de Saldanha descobriu-me e eu a Ela. Continuei a não “acreditar” em Deus, mas fiz da Madre a minha “santa protectora”. Desenvolvi uma ligação tão forte com ela, que admirava os crentes próximos e me valeu o carinho especial da Madre Geral e de alguns prelados.

Uns anos mais tarde descobri o Budismo e através dele reconciliei-me com o Cristianismo e a fé.





Nunca mais abandonei nenhum dos dois e sou capaz de lhes juntar os outros quase todos.

Tenho seguido uma Tradição Budista Theravada porque além de não me exigir que acredite em nada, me permite recolhimento, meditação, a conexão comigo própria e com o todo e conversar com monges de uma sabedoria imensa, adquirida por décadas de meditação.

Não me considero budista, sou seguramente alguém que sente a divindade da vida e a busca… Busco a paz, é isso que busco. E essa paz encontro-a normalmente nos templos de qualquer religião.

Não gosto muito das igrejas em horas de Eucaristia porque um burburinho quase contínuo das pessoas, risos, brincadeiras, olhar quem vem, me desconecta de mim e da relação com Deus. Talvez porque não estou suficientemente conectada… Seguramente porque ainda não consegui paz suficiente em mim para ser intocável pela agitação externa.

Sinto que as pessoas não estão verdadeiramente ali, fazem-nos como um automatismo.

Lembro-me de mim sempre muito concentrada, a sentir muito. E assim foi hoje de novo.

Hoje quis reatar um relacionamento com Jesus segundo os ritos da igreja da minha terra, aquela onde fui baptizada antes ainda de o registo ter o meu nome… E reatei. Mais uma vez as emoções fluíram vindas não faço ideia de onde nem porquê. Espantada, emocionada, percebi depois que ia haver ali, a par com a Eucaristia, o baptismo de uma criança e que simultaneamente éramos todos rebaptizados.

Pude ser mais tolerante com a inquietação dos outros - hoje claramente barulho de conversas durante a missa, telemóveis a tocar - e pude compreender que, eu sei lá, sei lá. Pretendemos todos saber o que está bem… e que sabemos nós? Que sei eu?

Hoje fui rebaptizada e recordo os valores de amor incondicional, perdão de mim e dos outros, compaixão, aceitação. Que os possa manter continuamente em mim.

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