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A mostrar mensagens de maio, 2020

Destemidos

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No aniversário do meu filho, gosto de lhe mandar fotos de tempos que ele não lembra e às vezes nem eu, como é o caso desta.  Gostávamos os dois de brincar aos circos e de fazer equilibrismo.  As outras pessoas assustadas costumavam dizer:  - Não faças isso, o menino cai.  Mas o menino nunca caiu.  Olhando agora esta foto, penso que talvez ela explique como o meu filho é corajoso. Aqui tinha um pouco menos de dois anos e estava num equilíbrio perfeito, sustido pela mãe. Fomos sempre dois cúmplices. - Era como se eu lhe dissesse: voa, voa, eu estou aqui, nada te pode acontecer. Ainda não nadava mas já saltava para dentro de piscinas ou de rios, sem pé. Claro que ia de braçadeiras, ou eu ou algum amigo estava lá para o agarrar. Eram voos seguros, mas eram voos. Até que chegou o dia de voar sozinho e nunca mais parou. Outro dia falámos sobre o medo e ele disse-me que em geral os amigos se escandalizam quando lhes conta as nossas peripécias. - Porquê? – perguntei eu. - Porque têm medo. E ho

O menino que tinha medo de poças de água e a menina que não tinha medo de nada

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- Estás a chorar porquê? É só uma rocha e umas pocinhas de água, as ondas estão lá longe, não vês? Mas não, ele não via, ele sentia um perigo muito grande, ali sozinho, no meio das rochas, só com a amiga, enquanto a mãe lhes tirava uma fotografia. Ela não costumava ter medo de nada. Nem de falar com pessoas que não conhecia, nem de se aventurar pelos campos, entrar onde quer que houvesse uma poça de água. Bem, medo de nada também não, ela tinha muito medo de cães, nem sabia porquê. Já ele só saía agarrado à mãe ou ao pai, e era também quando estava junto deles que se entretinha a fazer judiarias à irmã mais pequena e depois a culpar a mais velha. Protegido sentia-se forte. Sozinho, até de uma simples poça de água no meio das rochas tinha medo. Talvez por isso ela tenha ido conhecer o mundo e ele continuado na sua aldeia. Não que haja algum problema com isso, que não há, excepto se por acaso ele gostasse de conhecer o mundo e por medo não o tivesse feito.

A vida da rosa

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Acordei, abri a janela de par em par e lá estava ela, a olhar para mim, a dar-me os bons dias. Fiquei tão feliz. Falou-me de paz, de harmonia de beleza, isto nestes dias em que o meu coração e pensamentos teimam em juntar-se à confusão lá fora. Demorei-me nela. Dia após dia foi-me dando os bons dias, sempre bela, sempre cheirosa, inspiradora. Ontem continuou a dar-me os bons dias, mas já sem a beleza anterior. Já cansada, um tanto gasta, a dizer-me: Está a chegar ao fim o meu tempo de vigor. Estou a ficar velha, ainda sinto, ainda cheiro, ainda te amo e gosto do teu amor, mas um destes dias transformo-me em estrela. O corpo fica aqui na terra e a luz junta-se às luzes sem corpo que há no céu. Porque, explicou-me ela, as rosas também se cansam de ser belas, também precisam de repousar em pura luz. As rosas, continuou, as pessoas, os pássaros, até os rios e as montanhas se vão cansando. Não adianta não querer morrer, até porque nunca se morre verdadeiramente, há sempre a luz que continu