Destemidos

No aniversário do meu filho, gosto de lhe mandar fotos de tempos que ele não lembra e às vezes nem eu, como é o caso desta. 

Gostávamos os dois de brincar aos circos e de fazer equilibrismo. 

As outras pessoas assustadas costumavam dizer: 

- Não faças isso, o menino cai. 

Mas o menino nunca caiu. 

Olhando agora esta foto, penso que talvez ela explique como o meu filho é corajoso.

Aqui tinha um pouco menos de dois anos e estava num equilíbrio perfeito, sustido pela mãe.

Fomos sempre dois cúmplices.

- Era como se eu lhe dissesse: voa, voa, eu estou aqui, nada te pode acontecer.

Ainda não nadava mas já saltava para dentro de piscinas ou de rios, sem pé. Claro que ia de braçadeiras, ou eu ou algum amigo estava lá para o agarrar.

Eram voos seguros, mas eram voos.

Até que chegou o dia de voar sozinho e nunca mais parou.




















Outro dia falámos sobre o medo e ele disse-me que em geral os amigos se escandalizam quando lhes conta as nossas peripécias.

- Porquê? – perguntei eu.

- Porque têm medo.

E hoje, neste tempo em que as pessoas se fecharam em casa, imagino que a maioria com medo de morrer, ele também se fechou, eu não.

Ele diz que não sai porque não quer ser contagiado nem contagiar ninguém, que os sistemas de saúde não aguentariam uma contaminação massiva, que não se importa de estar em casa. Além disso fica com muito mais tempo para trabalhar. E assim lá vai desempenhando as suas funções, feliz como sempre, sem medo, nem pela sua saúde, nem pela sobrevivência das empresas de que é co-responsável.

Eu não me fechei porque não acredito na fuga seja ao que for. Pouco trabalhando, porque a minha função principal exige contacto humano e as pessoas têm medo, cá estou, tranquila, também sem medo, a assistir a este filme das nossas vidas e a tentar fazer o melhor possível para ser feliz dentro dele e continuar a trazer alguma utilidade ao mundo.

Tenho para mim que não vale a pena andar por aqui se não for para viver a vida com os desafios que ela traz. Quando tenho medo, que também tenho muitas vezes, falo com ele, faço-lhe frente.

Às vezes vai-se embora com o rabinho entre as pernas, envergonhado, quando percebe que eu entendi que era de mentira, que era só uma fantasia da minha cabeça. Outras, tende a ficar ali, mantendo-me semi paralisada, como que num braço de ferro meio sem fim.

É a vida, digo de mim para mim. É andar a treinar para ser cada vez mais crescida, que é como quem diz, cada vez mais feliz… Mas sempre aquém. Sempre um tanto aquém, se não para que serviria andar por aqui?

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